É como se um xote nordestino sintetizasse a saga de Luiz Inácio Lula da Silva do sertão ao Planalto. Em seu terceiro mandato, aos 79 anos, o presidente — ex-metalúrgico e fundador do PT — dança no palco da política federal. Símbolo da velha guarda sindicalista, ele desafiou elites ao longo das décadas e agora encara um Congresso hostil, tão turrão quanto a máquina que um dia lhe custou um dedo.

Natural de Caetés, no agreste pernambucano, Lula era um cabra da peste ao deixar o sertão rumo a São Paulo, onde começou a labuta pesada numa indústria metalúrgica. Como descreve o Xote Bandeiroso, o patrão “apoquentava” o trabalhador, que corria sem parar e conheceu a fome, o desemprego e a exaustão relatados na canção. Numa dessas máquinas industriais, Lula perdeu um dedo — episódio tão marcante quanto a letra que diz “na prensa perdi o dedo, fui ganhando instrução”. Com o dedo a menos, mas a voz intacta, ele despertou para a militância sindical e logo ganhou destaque nas negociações de greve, botando medo nos patrões reunidos na FIESP.

Na virada dos anos 80, o metalúrgico pernambucano tornou-se líder sindical e cofundador do Partido dos Trabalhadores. Antes tachado de “pelego”, Lula trocou o medo pela mobilização e ganhou destaque nacional liderando greves históricas do ABC paulista. Depois de perder três eleições presidenciais (1989, 94 e 98), ele viveu o verso do xote: em 2002 foi eleito presidente e, como diz a música, assumiu o papel de “orgulho da Nação” e de operário que virou patrão.

Nos dois mandatos seguintes (2003–2010), Lula consolidou seu carisma popular e implementou políticas sociais que reduziram drasticamente a pobreza. Ao som do xote de esperança, fez o Brasil simular o verso da música: para milhões, a vida melhor que os versos prometiam tornou-se realidade concreta — o país cresceu e os menos favorecidos viram suas condições melhorarem. Mesmo sendo hoje um estadista de renome, não perdeu a postura combativa do operário: em discursos inflamados retomou o tom de um cabra da peste e chegou a alfinetar antigos patrões na FIESP. Em cada resposta, repetia que “esse Brasil-criança” finalmente via cada cidadão ser um operário patrão em potencial.

Em um dos versos mais emblemáticos do Xote Bandeiroso ouve-se: “Severino, bom menino, deixa de subversão, tu acaba na cadeia”. Lula encarou o aviso literal. Sentenciado em 2018 pela Operação Lava Jato, o ex-metalúrgico passou meses preso em Curitiba. Mesmo confinado, manteve o humor e denunciou o processo como motivação política. Em 2019 a anulação das condenações o colocou de volta no jogo eleitoral; em 2022 ele retornou triunfante à Presidência — como se, no velho mundão, finalmente tivesse provado que cada operário pode virar patrão, como previu a letra.

No terceiro mandato, porém, Lula se vê diante de um Congresso hostil e de um cenário político tão inóspito quanto complexo. Sem base estável no parlamento, ele precisa negociar cada pauta em meio a uma fragmentação inédita. Mesmo assim, mantém vivo seu canto do Nordeste: lembra que, ao lado de aliados fiéis, acredita que o Brasil do futuro reconhecerá o esforço coletivo. Ironia ou não, o presidente segue como exemplo de quem transformou versos de esperança em política real, mesmo quando a música do Congresso toca em tom dissonante.

A questão agora, é claro, são as eleições de 2026. Lula ainda dá conta de cantar a música da esperança?